Bem Vindos!

Este blog surgiu com o propósito de compartilhar algumas reflexões de textos teóricos desenvolvidas no âmbito do Programa de Iniciação à Docência de Língua Portuguesa da Universidade Federal de Mato Grosso. Pretende, além disso, tornar público os eventos por nós promovidos - desde o inicio do projeto(2010) - e ainda os que estão por acontecer.

Perca Tempo. É no Lento que a Vida Acontece - Ciro Marcondes Filho





Os textos que se seguem são frutos da leitura e reflexão da Obra "Perca Tempo. É no Lento que a Vida Acontece" de Cira Marcondes Filho. 

Onde estão os seus ponteiros? (Neriely Dantas)


Aquilo que tanto nos arrasta sem oportunidade de volta, que torce os ponteiros sem trégua de senti-lo rápido ou lento, porque em máquina que funciona- o ritmo é fixo, constante “tic tac”,chamo de tempo.


Quando se descobriu luz e sombra, e seus movimentos, fez-se o gnômon – relógio solar que projeta através da sombra 12 partes do dia. Mas seja qual for sua referência (e digo aqui referência resumidamente como uma expressão lingüística que fala daquilo que está no mundo), o tempo parece que transitou na sua história, de algo mais concreto ao abstrato, principalmente quando encanta ao contar sejam sombras, pedras, frutos, gados etc. descobrindo assim também suas operações (menos, mais...). Sua fixação ou preferência por ele pode ser em grego- chronos e kairos, respectivamente tempo seqüencial e tempo oportuno- certo (tempo de deus), ou você responda sobre ele como o filósofo Santo Agostinho: “O que é, por conseguinte, o tempo? Se ninguém mo pergunta, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei..;”, ou ainda o queira como no cotidiano “dia, semana, mês, anos, décadas, séculos e milênios, quem sabe como um quadro de Dalí, “ a persistência da memória”? e como a música de Arnaldo Antunes “velhos e jovens”, não importa o modo, ele impõem uma função social e molda comportamentos.

Tanto molda que cria uma crosta, uma pele áspera dita por Ciro Marcondes pa-qui-der-me, que na sua exigência maquínica de impor ao corpo o que por estrutura própria não suporta, afasta o deleite das coisas no tempo que se quer dar, do jeito que se quer tempo para fazer – como por exemplo : parar de escrever este texto agora porque o meu tempo corporal com ele já foi onde consegui chegar, porém ainda me sobra vontade de terminá-lo ainda hoje, sim o farei, então vem o tempo concreto superar o que está abstrato tiquetaqueando.

Essa é a ideia, perder tempo produtivamente, gostar do que está fazendo. Por que não organizar suas ações e seus pensamentos como se você estivesse a ponto de deixar a vida, como propunha o imperador Marco Aurélio? Se desespere sim, se você não percebe o tempo, e não, em achar que ele está acabando, talvez seja só o começo: o começo de dirigir docemente, de passar um tempo consigo, de refletir seus atos e falta de atos impedidos pela crosta. Estar num tempo ociosamente não significa falta de responsabilidade ou vagabundagem, porque o que se quer não é matar o tempo, mas saber aproveitá-lo ao seu favor, de modo que não lhe traga prejuízos em saúde mental e corporal. Por isso, quando você adquirir um relógio de pulso, um celular, um computador etc., e sentir que algo está te perseguindo, saiba que você pode escolher ser a caça ou o caçador, e lembre-se que “é no lento que a vida acontece”.
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Admirável Chip Novo
Pitty

Pane no sistema, alguém me desconfigurou
Aonde estão meus olhos de robô?
Eu não sabia, eu não tinha percebido
Eu sempre achei que era vivo
Parafuso e fluído em lugar de articulação
Até achava que aqui batia um coração
Nada é orgânico, é tudo programado
E eu achando que tinha me libertado
Mas lá vem eles novamente
E eu sei o que vão fazer:
Reinstalar o sistema

Pense, fale, compre, beba
Leia, vote, não se esqueça
Use, seja, ouça, diga
Tenha, morre, gaste e viva

Pense, fale, compre, beba
Leia, vote, não se esqueça
Use, seja, ouça, diga...
Não senhor, Sim senhor (2x)

(Patê Sena)

Sempre escutei essa música da Pitty, mas até então nunca tinha me atentado ao sentindo da letra. O que abriu meus olhos? Foi o livro “Perca Tempo”.

Fazendo uma releitura da música percebi pelo menos dois pontos em que Marcondes toca. O primeiro é que somos máquinas imperfeitas e o segundo é que não nos é permitido perder tempo.

Como máquinas pensantes estamos sujeitos a panes diariamente. É isso que nos incomoda, não sermos perfeitos, termos que estar nos reconfigurando toda hora. E a cada reconfiguração nos blindamos cada vez mais, mas não o suficiente para evitar um novo “vírus”, pois não somo máquinas e sim seres humanos.

Mesmo assim continuamos a querer nos maquinizarmos e uma característica da máquina é não perder tempo. A última estrofe nos fala disso, não pare, faça tudo, o mais rápido possível. Nesse ponto o ritmo da música acelera. É o ritmo da nossa vida, onde não paramos, pois o horror ao vazio não deixa.

Como Ciro mesmo fala não precisa ser assim, podemos sair desse vício de ganhar tempo. Basta perdemos tempo olhando, ouvindo, sentindo tudo o que nos cerca.
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Uso do Tempo (Fernanda Sampaio)


Perca Tempo...
Hoje quando você acordar faça diferente. Não corra contra o tempo. Não tente ganhá-lo. Perca tempo.
Dance. Cante. Durma mais. Busque seu filho na escola. Se olhe no espelho. Coce o dedão do pé. Faça caretas nas vitrines.
Permita-se fazer o que nunca fez. Ou o que não faz há muito tempo. Ligue para um amigo. Visite seus pais. Leve o cachorro para passear. Sorria.
Permita-se perder um tempinho. Ganhe longos abraços. Um olhar. Não pense no trabalho. Nas provas. No trânsito. Na lotação. Esvazie-se.
Seja você mesmo. Com erros e acertos. Lágrimas e risos. Dor. Amor. Ódio. Não refreie seus sentimentos.
Tire um tempo para: Orar. Rezar. Meditar. Pensar. Chorar. Faz bem.
Hoje quando você acordar durma novamente.
Leia o jornal. Tome café. Espreguice.
Faça bom uso de cada minuto de sua vida. Não os conte.
Deixe o tempo passar. Desligue-se de tudo. Do celular. Das preocupações. Internet.
Seja feliz!
Ou não.
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Meu Texto e Tal (Ewerton Viegas)




“Nossa vida cotidiana marcada por pressa, agitação, tensão nervosa, estresse, adaptada ao ritmo da concorrência, da exclusão do outro, das formas de contínuo desafio e confronto, imposta pelo ambiente social e por nossa determinação racional em seguir adiante, ocorra o que ocorrer – gera, no sistema neurológico, reações inesperadas e arrasadoras. O corpo nos dá o troco. Para não perdermos o tempo, perdemos a vida.” (Ciro Marcondes - Perca Tempo - É no lento que a vida acontece.)

Diante desse trecho, recordo-me de uma notícia que li há algum tempo atrás, a respeito do jovem violonista Joshua Bell, considerado um dos melhores do mundo, que aceitou o desafio que o jornal Washington Post lhe propôs de tocar num metrô em Nova York. Trajado de jeans, camiseta e boné, Joshua executou obras-primas da música clássica, com seu instrumento raríssimo, avaliado em mais de três milhões de dólares. Durante quase uma hora de apresentação, o músico foi praticamente ignorado pelos passantes. O mais curioso é que o violinista havia realizado um show na semana anterior, e tinha outro marcado para a semana seguinte, shows cujos preços custam não menos que mil dólares. Exposta a situação, fico me indagando: “Será que eu pararia para ouvir, para apreciar o que é belo?”

A verdade é que o contexto pós-moderno tem nos transformado em indivíduos corredores. Estamos sempre correndo... numa forma de correr que não nos permite olhar para o lado, apreciar a paisagem, a estranheza do trajeto. Dispomo-nos a olhar todo o tempo para frente, partindo de um ponto A já pensando em alcançar o B, e quando atingimos o B, aceleramos para tocar o C, e assim, de uma maneira a percorrer todos os pontos. Um ciclo. E o que é que nos marca nessa trajetória?

Assombra-me também o fato de que estamos correndo sozinhos. Diante da imensidão de matéria, encontramo-nos cada vez mais sós. Nossa capacidade de vinculação tem se tornado ínfima, e improdutiva, isso porque estamos nos distanciando das coisas para nos envolvermos com elas. Então não sentimos, não percebemos o mundo, não nos desenvolvemos.

A agitação e o embalo da correria diária nos constrangem a equilibrar ou desequilibrar nossas tarefas, tantas numa só vez, tais como se fossemos um polvo com seus tentáculos. Aliás, os polvos não vivem mais que cinco anos. Lembro-me dessa informação, pois em 2010, houve um polvo que virou sensação, pois acertava os vencedores dos jogos da copa do mundo daquele ano, e os jornalistas sempre davam essa informação. Isso também me suscita a lembrança de que a expectativa de vida das pessoas em todo mundo vem aumentando. Contudo, o caráter maquínico que estamos adquirindo em face da pós-modernidade, ou seja, nos blindando de sensações e sentimentos intensos, me permite dizer que estamos vivendo menos ao passo que estamos vivendo mais.

Claro, não se trata de se desfazer das tarefas profissionais, ou não se esforçar o máximo para que sejam realizadas eficientemente. Mas, de fato, trata-se de perder tempo.
Não sei vocês, mas antes de dormir eu sempre me recordo de como foi o meu dia. E o que tenho percebido é que têm sido cada vez mais raros os momentos aos quais posso dizer que valeram à pena. Cada vez mais constante, o saldo diário é o cansaço físico e mental. Faltam-me aquelas situações em que dizemos ou pensamos ou sentimos estar nas nuvens, como se nossos pés estivessem fora do chão. Tocar, beijar se vincular. Ouvir Arnaldo Antunes, ou a Pitty ou o Joshua Bell.

Somos máquinas imperfeitas porque pensamos, sentimos etc. Mas parece até que nossos sentimentos estão pré-programados. Emoções superficiais. Quantas vezes ouvimos por aí coisas como: “Nada mais me surpreende”, “Nada mais me comove... me emociona”?! Não estamos nos surpreendendo porque não estamos perdendo tempo.

Estamos caminhando, ou melhor, correndo ao ponto de sentirmos saudades do presente. Então, acho que já é ‘hora’ de deixarmos de ser corredores, para tentarmos voar.



Joshua Bell no Metrô

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